Especial Estante de HQs

Até então inéditos no Brasil, a SESI-SP Editora publicou, em 2016, a HQ Verões felizes – 1. Rumo ao sul! e, no início deste ano, Verões felizes – 2. A calanque. A famosa série europeia conta a história família Faldérault, que trabalha para pagar as férias de verão. Sucesso entre os apaixonados por histórias em quadrinhos, Verões felizes é de autoria do belga Zidrou, que conversou com PH para a revista Ponto, e com ilustrações do espanhol Jordi Lafebre.
PH – Em Verões felizes, qual efeito vocês buscaram ao organizar a série partindo da situação ‘presente’ em direção ao ‘passado’, passando por momentos de flashback?
Zidrou – A familiarização. Queremos que o leitor se apaixone pela família Faldérault e que ele a ame, como Jordi e eu a amamos. Nossa série fala da maior de todas as aventuras, que é a vida em família, a vida cotidiana de uma família, com suas grandes alegrias e pequenas tristezas.
PH – Aqui no Brasil, a série vem recebendo muitos elogios, seja pelo traço marcante e característico de Lafebre, seja pelo enredo envolvente. Muitos de nós brasileiros, inclusive, nos identificamos com as longas travessias nas férias, com a família em busca do sol. Como é, para você, perceber que uma narrativa de essência franco-belga possa repercutir de forma tão impactante no imaginário sul-americano?
Zidrou – Sem dúvida, isso se explica pelo fato de ter escutado música brasileira, enquanto roteirizava esses álbuns. Ou então, não seria porque nada toca mais no universal do que o íntimo? Eu não estou aqui para entender o porquê. Estou aqui, ao contrário, para abrir uma janela de possibilidades.
PH – A série, como vocês mesmo afirmam, fala da vida, a vida real. Em que medida ela traz suas memórias pessoais (e reais)?
Zidrou – Pouco! Bem pouco, mesmo que Pierre Faldérault, aliás, Pif, tenha um pouco de mim e de Jordi Lafebre! Determinadas histórias vêm de experiências vividas por meio de conhecimentos que eu armazenei ao longo dos anos. Algumas vêm da minha própria experiência. (Pierre é que dá as ordens. Isso, por exemplo, é uma característica minha! Mas, a maior parte das histórias é inventada.)
PH – Os personagens são inspirados em algo/alguém?
Zidrou – Ah, mas eles existem de verdade, já que nós os inventamos.
PH – Perguntamos isso, pois, mais do que nunca, a autoficção ganha (quase todo o) espaço na literatura convencional em todo o mundo. Seria interessante observar esse mesmo movimento nos quadrinhos.
Zidrou – Sim, mas se eu contasse a minha vida real ou se Jordi falasse sobre a verdadeira existência dele, isso não seria muito interessante… ou, ao contrário, bem embaraçoso. Inventar é melhor! Inventar é sonhar!
PH – Ainda em relação à última pergunta, quais seriam suas dicas para jovens roteiristas brasileiros que estão apenas começando? Falar da vida real ou continuar apostando em “brigas sangrentas e complôs internacionais”?
Zidrou – Eu os aconselho a fazer… aquilo que amam, aquilo que têm vontade, aquilo que lhes dá prazer, aquilo que faz bem a eles, resumindo, falar sobre o que os emociona, os revolta e os faz sentir vivos… e, de maneira alguma, roteirizar o que um editor pede. Os editores têm a tendência a imitar o que “funciona”. E nós, os criadores, não estamos aqui para fazer funcionar, mas, ao contrário, para não sermos perfeitos.
PH – As referências utilizadas na HQ, tanto políticas quanto artísticas, são trazidas com a intenção de aproximar mais ainda a história da realidade?
Zidrou – Com certeza!
PH – Aliás, quais são suas influências? Algum quadrinista, músico, escritor em particular?
Zidrou – Todos. Todos. Eu sou uma esponja. E gosto de tudo. Chega a ser um drama. Mas eu admito que tenho preferência pelos criadores que ousam, que se colocam em risco. E, acreditando ou não, ao inventarmos o universo de Verões felizes, Jordi e eu nos colocamos em perigo, em relação às expectativas do “mercado”. Falo isso sem qualquer vaidade!